terça-feira, dezembro 09, 2014

Pé na estrada.



Despertou antes do despertador. Preparou o café, quente e forte, do jeito que eu mais me delicio. Organizou algumas roupas, botou na mochila desesperadamente e amassando todas. Revirou nossa casa a procura de seus óculos escuros e da minha lingerie que ele mais gostava.

Recebi milhões de beijos babados do cachorro Bob que saiu correndo para o pote de comida quando Fred gritou-o; em seguida fui surpreendida pelo seu abraço. – Não me faça perder o controle, ainda não são nem nove da manhã!

– Vamos viajar! Foi a segunda coisa que ouvi depois de bagunçarmos a cama.

Era uma quarta-feira, mas ele só queria partir dali ao invés de deixar a rotina partir-nos a alma. Desde sua chegada não envelhecera meus dias, nunca. Seus olhos pareciam sempre livres e perdidos pelo meu corpo. Pelo mundo. Nas mulatas. No Pão de Açúcar do Rio de Janeiro. E até mesmo na criança dormindo no colo da mãe.

E lá fomos nós. Para onde? Não me informara, mas ele também não sabia. E é um dos motivos pelo qual eu morderia, arranharia e beijaria aquele homem pelo resto da nossa eternidade.

Com o Sol clareando e as nuvens, ou algodão doce, como ele preferia, estavam à frente tomando conta da estrada e nossa felicidade. Os vidros, do fusca 1993, estavam escancarados permitindo o vento que passava suave e faceiro, bagunçando cabelos, levando a fumaça, mas endireitando a mente e expandindo a gente.

Ele estava ali, como eu amava vê-lo daquela maneira; inteiro para mim, inteiro por nós! Talvez só eu saiba o quanto o mundo revigorava-o, enchendo seus dias de luz e preenchendo as barrinhas de energia e vida. Aquele momento sempre fora o melhor de nós. Depois do sexo matinal e as cervejas no fim da tarde com os pés enterrados na areia. Nossa paz e desespero; (Eu acho que o amo.)

Ao som de The Doors ele sentia, sentia que seu mundo havia sido laçado ao meu, de que forma? Não fazia idéia, mas queria poder agradecer à quem o fez todos os dias.

Parados em um posto qualquer a beira da estrada. Estávamos famintos, e quando digo famintos, são com vários “i” e exclamações. Resolvemos dividir um pão na chapa e um suco de laranja, não tão doce quanto eu gosto.

– Descanse um pouco, eu dirijo dessa vez. Mas para onde iremos?

Ele me disse para seguir em frente, indicou-me algumas coordenadas; mas acho que estávamos perdidos, e bem... Fred não se importava muito, afinal, chegaríamos à algum lugar. Segui por algumas horas, mas ele quis voltar a guiar-nos. Observando túneis, o trânsito se esvaindo e toda aquela sinalização que me cegava, aceitei por minutos os beijos de Morfeu, e sonhei, sonhei. Eu tinha mais o que sonhar? Eu vivia um sonho, e ainda vivo.

Acordei e estávamos parados em um posto, parecia estar fechado por anos. Cocei os olhos e depois de um tempo me dei conta de que ele me observava, só observava.

– Que bobagem, por que não me acordou?

–Já disse que você sorri dormindo? Suas bochechas se contraem um pouco, e ah! Você ronca também!

Esse homem me matava de vergonha, beijos e amor.
Maldito.

Era tarde da noite. Dormiríamos por ali mesmo. E meu deus! Ele tirava a minha paz...
Segurei delicadamente minha saia pressionando contra minhas coxas; me virei e sentei em seus joelhos, ou se preferir, colo. Eu estava perdida. Perdida nele. Eu tinha mapas, GPS, celular, mas fiz uma fogueira com tudo.

Desejávamos um ao outro, não me importava até quando e sim o quanto.

Meu corpo inclinado para trás bem próximo ao volante. Seus abraços me envolvendo, tentando conciliar meu peso e a sua vontade em afogar as mãos em meio aos meus cabelos. Sua boca estalando em meu pescoço, meu corpo fervia de calor, de amor, euforia (...) Segurou-me firme pela cintura.
(Eu não quero que isso acabe...)

Beirando o precipício do prazer, sua regata havia parado no banco de trás e meu sutiã, (se me lembro bem) estava pendurado no retrovisor. E no conflito entre nossos corpos, a pele quente, suada, ainda estremecia em cada movimento.

Eu não quero me encontrar. Talvez o permanecer seja melhor que amar. O ficar para te encontrar e fugirmos daqui, para lá, e ao além. Você sussurrou, eu não consigo responder. Que espaço pequeno, que corpo ardente, estremeci, abracei-lhe e descansei ali mesmo.
Parecia o paraíso. Ou o inferno.

Cheio de mosquitos, vaga-lumes e as gotas de chuva começaram a pingar. Sem pensar duas vezes vesti minha blusa, aumentei o som do rádio e fui dançar. Remexia o quadril, com os braços mirando as estrelas e a água que me banhava. De olhos fechados. Sentia ele se aproximar e selar meus lábios com o toque molhado.

Entrelacei meus braços em seu pescoço, bagunçava seu cabelo, sentindo minha saia colar em meu corpo no arrepiar do vento que soprava.

A Lua cantava e então nos aconchegamos no banco de trás – que nem era tão confortável assim. Dormimos.

Não nos lembramos de pegar nenhum relógio, mas deduzi que acordamos tarde.
Pé na estrada!

A barriga roncava feito o cantar de pneus, decidi abrir barrinhas de cereais até a próxima parada, se é que haveria outra.

Como a garoa do dia nublado ele se sentiu tão leve a ponto de libertar-se para mim. Falava, sorria, gargalhava. Como eu poderia não me apaixonar pelo movimento dos lábios dele? Ou das piadas que só eu achava graça? Às vezes ele segurava as minhas mãos com um pressionar tão diferente, eu posso jurar que é um segurar de “fica, fica por aqui, só mais um dia ou algumas horas.”

Ele dialogava sobre cachoeiras, mares, areias, cidades e pessoas, e ele descrevia um mundo no qual eu poderia morar, e que eu conseguia enxergar desde que ele adentrou a porta do meu apartamento e tomou conta do lado direito da cama.

Ele distribuíra seu amor, sementes de árvores e dividira seu pão, alimentara muitas pessoas com esperança, paz e fogo.


Ele acendeu o pavio, carregou-me em sua mochila e então foi despedaçado por mim.

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