Despertou antes do despertador. Preparou o café, quente e forte, do jeito que eu mais me delicio. Organizou algumas roupas, botou na mochila desesperadamente e amassando todas. Revirou nossa casa a procura de seus óculos escuros e da minha lingerie que ele mais gostava.
Recebi milhões de beijos babados do cachorro Bob que saiu
correndo para o pote de comida quando Fred gritou-o; em seguida fui
surpreendida pelo seu abraço. – Não me faça perder o controle, ainda não são
nem nove da manhã!
– Vamos viajar! Foi a segunda coisa que ouvi depois de
bagunçarmos a cama.
Era uma quarta-feira, mas ele só queria partir dali ao invés
de deixar a rotina partir-nos a alma. Desde sua chegada não envelhecera meus
dias, nunca. Seus olhos pareciam sempre livres e perdidos pelo meu corpo. Pelo
mundo. Nas mulatas. No Pão de Açúcar do Rio de Janeiro. E até mesmo na criança
dormindo no colo da mãe.
E lá fomos nós. Para onde? Não me informara, mas ele também
não sabia. E é um dos motivos pelo qual eu morderia, arranharia e beijaria aquele
homem pelo resto da nossa eternidade.
Com o Sol clareando e as nuvens, ou algodão doce, como ele
preferia, estavam à frente tomando conta da estrada e nossa felicidade. Os
vidros, do fusca 1993, estavam escancarados permitindo o vento que passava suave
e faceiro, bagunçando cabelos, levando a fumaça, mas endireitando a mente e
expandindo a gente.
Ele estava ali, como eu amava vê-lo daquela maneira; inteiro
para mim, inteiro por nós! Talvez só eu saiba o quanto o mundo revigorava-o,
enchendo seus dias de luz e preenchendo as barrinhas de energia e vida. Aquele
momento sempre fora o melhor de nós. Depois do sexo matinal e as cervejas no
fim da tarde com os pés enterrados na areia. Nossa paz e desespero; (Eu acho
que o amo.)
Ao som de The Doors ele sentia, sentia que seu mundo havia
sido laçado ao meu, de que forma? Não fazia idéia, mas queria poder agradecer à
quem o fez todos os dias.
Parados em um posto qualquer a beira da estrada. Estávamos
famintos, e quando digo famintos, são com vários “i” e exclamações. Resolvemos
dividir um pão na chapa e um suco de laranja, não tão doce quanto eu gosto.
– Descanse um pouco, eu dirijo dessa vez. Mas para onde
iremos?
Ele me disse para seguir em frente, indicou-me algumas
coordenadas; mas acho que estávamos perdidos, e bem... Fred não se importava
muito, afinal, chegaríamos à algum lugar. Segui por algumas horas, mas ele quis
voltar a guiar-nos. Observando túneis, o trânsito se esvaindo e toda aquela
sinalização que me cegava, aceitei por minutos os beijos de Morfeu, e sonhei,
sonhei. Eu tinha mais o que sonhar? Eu vivia um sonho, e ainda vivo.
Acordei e estávamos parados em um posto, parecia estar
fechado por anos. Cocei os olhos e depois de um tempo me dei conta de que ele
me observava, só observava.
– Que bobagem, por que não me acordou?
–Já disse que você sorri dormindo? Suas bochechas se
contraem um pouco, e ah! Você ronca também!
Esse homem me matava de vergonha, beijos e amor.
Maldito.
Era tarde da noite. Dormiríamos por ali mesmo. E meu deus!
Ele tirava a minha paz...
Segurei delicadamente minha saia pressionando contra minhas
coxas; me virei e sentei em seus joelhos, ou se preferir, colo. Eu estava perdida.
Perdida nele. Eu tinha mapas, GPS, celular, mas fiz uma fogueira com tudo.
Desejávamos um ao outro, não
me importava até quando e sim o quanto.
Meu corpo inclinado para trás bem próximo ao volante. Seus
abraços me envolvendo, tentando conciliar meu peso e a sua vontade em afogar as
mãos em meio aos meus cabelos. Sua boca estalando em meu pescoço, meu corpo
fervia de calor, de amor, euforia (...) Segurou-me firme pela cintura.
(Eu não quero que isso acabe...)
Beirando o precipício do prazer, sua regata havia parado no
banco de trás e meu sutiã, (se me lembro bem) estava pendurado no retrovisor. E
no conflito entre nossos corpos, a pele quente, suada, ainda estremecia em cada
movimento.
Eu não quero me
encontrar. Talvez o permanecer seja melhor que amar. O ficar para te encontrar
e fugirmos daqui, para lá, e ao além. Você sussurrou, eu não consigo
responder. Que espaço pequeno, que corpo ardente, estremeci, abracei-lhe e
descansei ali mesmo.
Parecia o paraíso. Ou o inferno.
Cheio de mosquitos, vaga-lumes e as gotas de chuva começaram
a pingar. Sem pensar duas vezes vesti minha blusa, aumentei o som do rádio e
fui dançar. Remexia o quadril, com os braços mirando as estrelas e a água que me
banhava. De olhos fechados. Sentia ele se aproximar e selar meus lábios com o
toque molhado.
Entrelacei meus braços em seu pescoço, bagunçava seu cabelo,
sentindo minha saia colar em meu corpo no arrepiar do vento que soprava.
A Lua cantava e então nos aconchegamos no banco de trás – que
nem era tão confortável assim. Dormimos.
Não nos lembramos de pegar nenhum relógio, mas deduzi que
acordamos tarde.
Pé na estrada!
A barriga roncava feito o cantar de pneus, decidi abrir
barrinhas de cereais até a próxima parada, se é que haveria outra.
Como a garoa do dia nublado ele se sentiu tão leve a ponto
de libertar-se para mim. Falava, sorria, gargalhava. Como eu poderia não me
apaixonar pelo movimento dos lábios dele? Ou das piadas que só eu achava graça?
Às vezes ele segurava as minhas mãos com um pressionar tão diferente, eu posso
jurar que é um segurar de “fica, fica por aqui, só mais um dia ou algumas
horas.”
Ele dialogava sobre cachoeiras, mares, areias, cidades e
pessoas, e ele descrevia um mundo no qual eu poderia morar, e que eu conseguia
enxergar desde que ele adentrou a porta do meu apartamento e tomou conta do
lado direito da cama.
Ele distribuíra seu amor, sementes de árvores e dividira seu
pão, alimentara muitas pessoas com esperança, paz e fogo.
Ele acendeu o pavio, carregou-me em sua mochila e então foi
despedaçado por mim.
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